ENTREVISTA: PRODUTORES FALAM SOBRE BASTIDORES, VIVÊNCIAS E EXPECTATIVAS DO DOCUMENTÁRIO ‘CARTOGRAFIAS POSSÍVEIS’

Mirele Ribeiro

sescbauru
7 min readNov 23, 2020

A partir de cinco iniciativas nas cidades de Bauru, Botucatu e Jaú, o documentário acompanha agentes locais que atuam em ações culturais, sociais e de saúde, sinalizando fluxos, escutas e diálogos entre elas. Em que medidas o senso de pertencimento e de coletividade impactam as formas de atuação em um território? Como escutar um lugar?

Acima está descrita a sinopse do documentário Cartografias Possíveis que será lançado no dia 30 de novembro em transmissão simultânea no canal do YouTube do Sesc Bauru e na grade de programação da TV Unesp.

A produção integra o projeto homônimo desenvolvido pelo Sesc Bauru desde julho de 2020 com a intenção de construir ações colaborativas a partir de iniciativas e atividades de agentes socioculturais de Bauru e cidades da região.

O documentário que começou a ser pensando ainda em julho foi produzido e dirigido pelo Plano Conjunto, coletivo de produtores de Bauru que em 9 diárias de gravações conduziram entrevistas com 10 pessoas em 9 locações diferentes de três cidades do interior de São Paulo: Bauru, Jaú e Botucatu.

A equipe composta por André Turtelli Poles, 35 anos, Videografismo e Assistência de Edição, Bruno Jareta, 32 anos, Roteiro, Conrado Dacax, 36 anos, Operação de Câmera e Imagens aéreas, Denis Augusto, 35 anos, Direção de Fotografia e Operação de Câmera, Liene Saddi, 34 anos, Produção Executiva e Montagem, Mariana Vita, 29 anos, Produção Geral, Paula Marques, 34 anos, Roteiro e Rene Lopez, 35 anos, Direção de Entrevistas, Operação de Câmera, captação de som direto, Mixagem e Trilha Original; concedeu uma entrevista sobre o trabalho desenvolvido. Confira:

Sesc Bauru: São 5 iniciativas que protagonizam o documentário de 3 cidades diferentes. Qual foi o ponto de partida e qual o fio conector encontrado entre elas pra conceber o roteiro?

Plano Conjunto: O ponto de partida do roteiro foi pensar a conexão entre território e cultura de uma maneira mais ampla para então aprofundar com as especificidades de cada iniciativa. Com a seleção dos cinco projetos participantes do filme, estudamos a atuação de cada um considerando seus objetivos e sua história. É muito interessante como cada iniciativa tem uma característica bem particular que permite novos desdobramentos sobre o eixo território-cultura, agregando novas camadas a essa reflexão, seja trabalhando ancestralidade, relação entre pessoas e comunidades, culturas marginalizadas, contato com a terra e/ou pertencimento. Ao identificarmos esses pontos fortes, pudemos estabelecer arranjos e transições possíveis entre os temas centrais que surgiram do eixo principal e tornaram-se o fio condutor das entrevistas: comunidade, transformações, saúde e lugar.

O objetivo do roteiro foi trabalhar perguntas sobre esses temas que instigassem respostas completas, mais profundas e abstratas, menos focadas na rotina do fazer e mais ligadas à visão de mundo e saber dessas experiências diversas.

Sesc Bauru: Nos conte um pouco sobre o processo em si de produção e captação de imagens e depoimentos.

Plano Conjunto: Todo o processo de produção do documentário foi muito proveitoso — tanto as reuniões de pré-produção (realizadas online) para planejar o roteiro, quanto os primeiros contatos por telefone com as representantes das iniciativas. Fomos muito bem recebidos nos espaços e saímos das diárias de filmagem com a sensação de carregar algo de precioso das palavras captadas nos depoimentos. A equipe inteira aprendeu muito com a experiência e com a vivência de estar nos territórios junto com cada iniciativa.

“Foi um prazer ser bem recebida em todos os espaços, conhecer as iniciativas e as pessoas que fazem a mudança acontecer — cada uma do seu jeito, com o seu recorte, mas todas sempre com um mesmo objetivo: gerar uma transformação positiva nas suas comunidades através de uma visão generosa para a coletividade” -Mariana Vita, produtora.

O processo de produção teve continuidade após a captação das imagens e depoimentos, com a chegada deste material na ilha de edição. Nesta etapa, as equipes de roteiro e montagem, que não estiveram presentes nas diárias de filmagem, realizaram novas reuniões para ouvir e transcrever o material captado, discutindo fios condutores que estreitassem as ideias previstas no roteiro, e em especial uma busca cartográfica na própria narrativa.

“É um processo muito instigante, o momento da construção de um corte em um documentário. Há um desafio em respeitar o contexto de cada entrevista e as diretrizes iniciais do pré-roteiro, enquanto novas ideias de costura surgem ao longo do processo criativo. Foi um momento de muitas reflexões sobre a articulação de imagens e sons ora em diálogos, ora em tensionamentos, trocada junto aos roteiristas e, na sequência, junto a toda a equipe” -Liene Saddi, montadora.

Após a construção do primeiro corte, estas trocas passaram também pelos olhares da equipe do Sesc Bauru, que trouxe apontamentos pertinentes vinculados ao contexto do fórum Cartografias Possíveis e ao próprio olhar institucional sobre os temas abordados. Sentimos que todo o processo da instituição junto à equipe audiovisual foi pautada em acolhimento e confiança, e pudemos estreitar diálogos junto ao Sesc sobre cada uma das escolhas narrativas.

Sesc Bauru: A produção se deu durante uma pandemia exigindo cuidados e regras de segurança. Quais as dificuldades encontradas e como foi essa experiência?

Plano Conjunto: Tivemos o cuidado de preparar um protocolo de segurança para ser seguido durante as gravações, envolvendo uma equipe reduzida nas filmagens e uso de máscara durante todo o tempo, além de outras medidas. Todas as reuniões de produção foram realizadas online, assim como o contato prévio com os entrevistados. Oferecemos aos entrevistados a opção de permanecerem de máscara durante a gravação das entrevistas.

“A condução da entrevista foi particularmente afetada. Pra mim, a entrevista é um complexo processo de construção de confiança, credibilidade e empatia entre as partes. Ao cobrir o rosto com uma máscara, passo a ter uma barreira na comunicação não verbal, essencial para guiar e motivar o entrevistado durante a conversa” - Rene Lopez, diretor das entrevistas.

“É sempre um pouco difícil falar com as pessoas sem nenhum tipo de contato físico, especialmente no final das entrevistas, depois de conhecê-los melhor e ouvir sobre a importante atuação dos coletivos. Depois de algumas entrevistas, a gente sente vontade de abraçar as pessoas, mas mantivemos o distanciamento para que ninguém fosse colocado em risco.” - Mariana Vita, produtora.

“As diárias de gravação foram as minhas primeiras saídas do home office desde o início da pandemia. Nossa equipe seguiu os protocolos de seguranças e procuramos manter distanciamento, mesmo assim, o contato próximo com essas histórias e esses projetos trouxe importantes motivações para seguir por esses tempos difíceis” -Rene Lopez, diretor das entrevistas.

Sesc Bauru: Se pudesse descrever uma missão do documentário, qual seria? O que esperam passar e quais reações acreditam que possam despertar com esse material?

Plano Conjunto: Acreditamos no documentário como um repensar da nossa organização social e modo de vida. Diferentes movimentos históricos, balizados por interesses diversos, moldaram a sociedade que vivemos hoje. Suas práticas, regras e modo de funcionamento não foram criados e moldados pela articulação da humanidade enquanto coletivo, mas por aqueles poucos que detêm ou detiveram o poder. Assim se perpetuam as condições de controle, de posse e de individualismo como parte estruturante do nosso funcionamento social. Refletir sobre isso por meio do documentário, levará o público a questionar as relações que desenhamos entre cada um de nós e também com o espaço que habitamos.

O que esperamos como desfecho a partir dessa crítica é despertar nas pessoas uma questão central de tomada de atitude: qual nossa capacidade individual e coletiva de pensarmos e vivermos de um modo diferente?

Sesc Bauru: Vocês são um coletivo audiovisual produzindo um trabalho que fala das experiências, dificuldades e possibilidades que outros coletivos estão vivendo agora. Vocês se encaixam nessa narrativa de alguma maneira e/ou mesmo se sentem representados?

Plano Conjunto: A proposta de produzir, por meio do coletivo Plano Conjunto, um documentário que aborda a atuação de outros coletivos é interessante porque ela reforça o discurso promovido pela obra por meio do seu próprio processo de produção, visto que quem assina a direção do filme é o Plano Conjunto. O documentário trata das propostas de construção de uma realidade mais inclusiva e coletiva, sendo ele mesmo uma obra dirigida coletivamente.

As questões que o documentário levanta são questões que nos tocam, especialmente no que tange ao acesso à cultura e aos locais de lazer na cidade. Enquanto coletivo, nós nos atentamos para essas questões e produzimos, no ano passado, uma mostra de cinema que incluiu exibições gratuitas de curtas-metragens em uma praça localizada fora da região central da cidade. Também nos interessa que a população como um todo tenha acesso aos bens culturais e ao fazer cultura.

Sesc Bauru: Quais os planos para esse documentário pós estreia? Para onde vocês querem levar essa produção?

Plano Conjunto: O documentário vai estar disponível no canal do Sesc no YouTube para quem quiser assistir. Nós pretendemos impulsionar a sua circulação em algumas mostras e festivais de cinema, e ainda estamos em contato com uma rede de cineclubistas do interior paulista, por meio da ICine, o que nos permite disponibilizar o filme para que seja exibido por essa via em outros municípios do estado. O filme será ainda incluído no catálogo da Cinemateca Digital Bauruense, um importante espaço de distribuição gratuita para as obras realizadas na cidade.

Sesc Bauru: Sintam-se à vontade para abordar qualquer outro ponto que julgarem necessário.

Plano Conjunto: É importante mencionar o tempo de produção deste curta-metragem — iniciamos as conversas junto ao Sesc no início do mês de julho, e fecharemos o mês de novembro com o lançamento do documentário, totalizando quase cinco meses (da pré à pós-produção) de mergulho em um tema que nos permitiu, em um ano de pandemia, conhecer histórias inspiradoras, nos aproximar de outros coletivos e encontrar, em meio às mudanças de rotinas e relação com o tempo no pós-pandemia, algum tipo de respiro para refletir sobre as relações entre o indivíduo e o coletivo. Esperamos que este material também ajude mais pessoas a encontrarem este espaço interno de reflexão, e que novas perguntas apareçam a partir das que estão colocadas na obra.

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